Crítica ao HC 87.585-8/TO (tese da mera supralegalidade dos tratados internacionais de direitos humanos)

O artigo abaixo reproduz conferência proferida pela Profa. Geziela Jensen em conjunto com o Prof. Luís Fernando Sgarbossa por ocasião da I Jornada Brasileira de Direito Internacional - Regional Paraná, promovida pela Academia Brasileira de Direito Internacional - ABDI, na Unicuritiba, em 31.10.2009.


A TESE DA SUPRALEGALIDADE DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS E A INTERAÇÃO ENTRE O DIREITO INTERNO E O DIREITO INTERNACIONAL: UMA ANÁLISE CRÍTICA.



Palestrantes:

Prof. Luís Fernando Sgarbossa*

Profa. Geziela Jensen**



RESUMO:



A presente exposição examina criticamente a recente consagração da tese da supralegalidade dos tratados internacionais de direitos humanos no Supremo Tribunal Federal (HC 87.585-8/TO) à luz da teoria do direito, problematizando a interação entre o direito interno e o Direito Internacional. A pretensão principal do presente artigo, mais do que examinar a pertinência do afastamento das teses da paridade, até então vencedora no STF, e da tese da constitucionalidade dos instrumentos internacionais de direitos humanos, é distinguir nitidamente três situações que reclamam critérios diversos de solução e aplicação do direito, quais sejam, as situações de conflito de normas, as situações de colisão de direitos fundamentais e, por fim, a situação de concorrência de normas protetivas de direitos humanos e/ou direitos fundamentais.



PALAVRAS-CHAVE: Tratados. Constituição. Interação.



Introdução

1. O julgamento do HC 87.585-8/TO pelo STF: breve relato, avanços e crítica.

2. Conflito de normas no tempo e no espaço.

3. Colisão de Direitos Fundamentais.

4. Concorrência de normas e o princípio da primazia da norma mais favorável (princípio pro homine).

5. Conclusão.

Referências bibliográficas.



Introdução



Os problemas decorrentes da interação entre direito interno e Direito Internacional constituem motivo de dissenso na doutrina há longa data, revelando ser um tema sensível, sobretudo devido às implicações de tal interação relativamente a questões da maior grandeza, como a da soberania nacional e a da supremacia da Constituição.

Tal problema, ainda sem solução, sobretudo em virtude de tais aspectos particularmente problemáticos, veio novamente à baila por ocasião do julgamento do HC n. 87.585-8/TO pelo Supremo Tribunal Federal, ocorrido no ano de 2008 que aqui serve de pano de fundo para a análise da interpretação e aplicação do direito.

Renunciando-se a discutir diversos aspectos correlatos, como a hierarquia dos tratados na ordem constitucional brasileira, a questão da aplicabilidade imediata, a natureza materialmente ou formalmente constitucional dos direitos humanos, a identidade ou diferença de direitos humanos e direitos fundamentais, far-se-á uma crítica seguida de uma proposição quanto à metódica de aplicação e interpretação do direito voltado à proteção do ser humano, seja ele interno, seja ele internacional.



1. O julgamento do HC 87.585-8/TO pelo STF: breve relato, avanços e crítica.



O habeas corpus n. 87.5858-8/TO origina-se da inadmissão, pelo Superior Tribunal de Justiça, de recurso ordinário contra decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região. No processo em questão, buscava-se a soltura do paciente, preso em 2005 como depositário infiel.

A controvérsia jurídica veiculada prende-se à manutenção ou aplicabilidade, no ordenamento jurídico brasileiro, da hipótese contemplada em norma constitucional que prevê a prisão do depositário infiel (art. 5º, LXVII) [1].

Disposições da Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969 (art. 7º) [2] e do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966 (art. 11) [3], ambos ratificados pela República Federativa do Brasil, vedam a prisão civil, excetuando o primeiro instrumento apenas a hipótese relativa ao devedor de alimentos.

Tais dispositivos reputavam-se, no habeas corpus em questão, içados à condição de normas constitucionais, tendo em vista a inclusão, pela Emenda Constitucional n. 45/2004, do parágrafo 3º ao artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, reconhecendo o status hierárquico de norma constitucional aos tratados internacionais de direitos humanos aprovados pelo Congresso Nacional segundo o procedimento ali preconizado, similar ao das Emendas à Constituição.[4]

A posição até então dominante no STF quanto à matéria perfilhava entendimento no sentido da paridade hierárquico-normativa dos instrumentos internacionais com a legislação infraconstitucional, com base nos artigos 102, III, b e 105, III, a, ambos da Constituição da República de 1988[5].

O Ministro Celso de Mello, em seu voto proferido em data de 12.03.2009, esposou entendimento no sentido da hierarquia constitucional dos tratados internacionais de Direitos Humanos após a Emenda Constitucional n. 45/04.[6]

Nada obstante, foi vencedora a posição que perfilhou a tese da hierarquia supralegal – mas infraconstitucional – dos tratados internacionais de direitos humanos anteriormente ratificados que não tenham sido aprovados pelo procedimento estatuído pelo novo § 3º, a despeito do teor literal dos §§ 1º e 2º do artigo 5º da CRFB/88.[7]

Do quanto foi aqui sucintamente historiado, de se fazer uma brevíssima crítica acerca dos avanços e retrocessos na matéria encarnados na paradigmática decisão para, depois, fazer uma incursão na teoria do direito no sentido de investigar outras possibilidades de interpretação e aplicação do direito que se mostrem mais adequadas à resolução de problemas envolvendo a interação dos ordenamentos nacional e internacional dos direitos humanos.

Em primeiro lugar, adotando-se abertamente uma postura em favor dos direitos humanos e do reconhecimento de status hierárquico superior para seus instrumentos, vislumbra-se um avanço em relação à posição clássica do Supremo na matéria, eis que a tese da supralegalidade mostra-se mais progressista e mais adequada para com os fins estatuídos pela Constituição de 1988 e pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos do que o tradicional entendimento da paridade com a legislação infraconstitucional.

Abrem-se, portanto, novas possibilidades, como a de controle de convencionalidade das leis e atos normativos[8], o que constitui inequívoco avanço. Nada obstante, ainda que reconhecido tal importante passo no sentido da efetividade dos direitos humanos no Brasil, de se consignar que a decisão ficou aquém do esperado, revelando caráter conservador em certa medida.

Nesse diapasão, de se consignar, inicialmente, a inexistência de suporte normativo para a tese da mera supralegalidade. A doutrina mais avançada já reconhecia, com base nos §§ 1º e 2º do art. 5º da CRFB/88 a hierarquia constitucional dos instrumentos internacionais consagradores de direitos humanos[9]. A inclusão do § 3º ao mesmo artigo reconhece, igualmente, hierarquia constitucional, e não infraconstitucional, às referidas normas.

Ademais, o reconhecimento de caráter meramente supralegal representa-se inconsistente com outras decisões em situações semelhantes de recepção de normas[10], sendo que, a rigor, os instrumentos internacionais de direitos humanos deveriam ter sido reconhecidos como recepcionados com hierarquia constitucional pelo novo § 3º do art. 5º da Constituição, independentemente do procedimento ali preconizado[11].

Assim, ainda que se vislumbre avanço na tese da supralegalidade em face da tese até então dominante (paridade), de se reconhecer que a decisão ficou muito aquém do esperado, tendo em vista a teleologia que transparece das normas constitucionais em mesa.

Nada obstante, para além da discussão concernente à hierarquia das normas internacionais instituidoras de direitos humanos, tema de grande relevância e bastante debatido, interessa-nos aqui fazer breve incursão na teoria do direito para, distinguindo situações diversas de conflito de normas, colisão de direitos fundamentais e concorrência de normas protetivas de direitos humanos e de direitos fundamentais, sustentar outra maneira de enfocar, compreender e buscar solucionar o problema, independentemente do status hierárquico conferido às espécies normativas em interação.

Assim, tendo como pano de fundo a decisão em comento, propor-se-ão formas distintas de resolução dos problemas atinentes à interação do direito interno e do Direito Internacional em diferentes circunstâncias, o que se passa a fazer.



2. Conflito de normas no tempo e no espaço.



São amplamente conhecidas as regras de solução dos conflitos de normas no tempo e no espaço, razão pela qual a presente seção será uma revisão muito sucinta sobrevôo das já conhecidas regras lex superior, lex posterior e lex specialis[12], estando a preocupação central centrada na caracterização do conflito de normas.

Pode a antinomia ser definida, segundo Norberto Bobbio, como a situação na qual “são colocadas em existência duas normas, das quais uma obriga e a outra proíbe, ou uma obriga e a outra permite, ou uma proíbe e a outra permite o mesmo comportamento.” [13]

Parece ser evidente que o contato entre ordenamentos jurídicos nacionais e outros, como o Direito Comunitário e o Direito Internacional, sói constituir fonte de conflitos, gerando antinomias na medida em que normas de teores, origens e hierarquia normativa diversos são destinadas a incidir no mesmo âmbito espacial e temporal.[14]

Tal problema torna-se ainda mais agudo diante de disposições que determinam a incorporação do Direito Internacional ao direito interno e a aplicabilidade imediata das normas constantes de instrumentos internacionais, como, v.g., os §§ 1º e 2º do art. 5º da CRFB/88.

Não se pretende adentrar aqui, por fugir ao escopo do trabalho, o problema do Direito Comunitário, fixando a atenção na questão do Direito Internacional Público, ou, mais especificamente, do Direito Internacional dos Direitos Humanos.

Em regra se tem buscado solucionar o conflito entre direito nacional e Direito Internacional através dos clássicos critérios de solução de antinomias, especialmente pelo já referido o critério hierárquico (lex superior derogat lex inferior), como se pôde ver do breve escorço sobre o HC 87.585-8/TO.

Assim, com relação aos tratados internacionais, além da polêmica entre monistas e dualistas[15], firmaram-se diversos entendimentos doutrinários no sentido da constitucionalidade, da supralegalidade e da paridade hierárquico-normativa destes.

Tais teses, ao buscar resolver eventuais incompatibilidades entre as disposições de direito interno e as disposições de Direito internacional a partir do critério hierárquico[16], acabam forçosamente por aderir à idéia de estabelecer, de maneira apriorística e desvinculada do caso concreto, uma escala hierárquica prestabelecida na qual se inserem os diversos diplomas normativos, dotando uns de prevalência sobre os outros.

É nessa esteira que se insere a recente decisão do STF que consagrou a tese da supralegalidade quanto aos tratados previamente ratificados, como visto, debatendo-se os Ministros acerca da posição hierárquica a ser conferida aos tratados internacionais instituidores de direitos humanos em nosso ordenamento.

Está a parecer, conforme se sustentará no item conclusivo, que tal solução simplista está longe de satisfazer as necessidades e peculiaridades da situação complexa em que convergem normas constitucionais e internacionais protetivas da pessoa, cujos catálogos podem coincidir no todo ou em parte[17], embora sejam dotados de evidente consentaneidade axiológica e teleológica.

Outro problema, distinto das antinomias, na qual duas ou mais normas são total ou parcialmente incompatíveis, como é sabido, radica na questão da colisão de direitos fundamentais, que não se pode resolver pelos critérios tradicionais, conforme se passa, muito sucintamente, a demonstrar.



3. Colisão de Direitos Fundamentais.



É dotada de notoriedade a polêmica entre as teorias interna e externa das restrições a direitos fundamentais (Innentheorie e Aussentheorie), e, conjuntamente, difundiu-se a idéia de colisão e de ponderação (Abwägung) ou utilização do princípio da proporcionalidade (Verhälmässigkeitsgrundsatz) como forma de resolução.[18]

Assim, é cediço atualmente, dada a proeminência alcançada pela teoria externa, que, em se verificando uma situação de colisão de direitos fundamentais – i.e., quando o exercício de um direito fundamental de um titular implicar violação ao direito fundamental de outro titular[19] –, deve o julgador lançar mão do construto do princípio da proporcionalidade[20] para, através da atividade conhecida como ponderação, estabelecer o alcance definitivo de cada um dos direitos fundamentais no caso concreto.

Para além de outras conseqüências, tal metódica, ainda que suscetível a críticas e objeções cuja seriedade não de pode descurar[21], revelou a insuficiência dos critérios tradicionais de resolução de antinomias, descortinando outras dimensões do problema da interpretação e aplicação do direito, sobretudo em matérias particularmente importantes, como a dos direitos e garantias fundamentais.



4. Concorrência de normas e o princípio da primazia da norma mais favorável (princípio pro homine).



Diante disso de se indagar se o problema posto pela incidência simultânea dos catálogos nacional (constitucional) e internacionais de direitos (humanos ou fundamentais[22]) é passível de solução pelo mecanismo simples de solução de antinomias, ou se reclama algo mais, o que nos remete ao objeto principal desta exposição.

Em primeiro lugar, de se insistir em uma distinção precisa de três situações não equiparáveis, quais sejam, a da antinomia – inicialmente solucionável com recurso aos critérios tradicionais –, a da colisão – inicialmente solucionável pela técnica da ponderação a partir do construto teórico-jurisprudencial da proporcionalidade – e, por fim, identificar uma situação que não se confunde com conflito e tampouco com colisão, qual seja, a concorrência de normas ou de direitos.

Ou seja, sustentamos que, em casos tais, está-se diante de uma situação que se poderia definir como concorrência de normas (ou de direitos), e não conflito, e tampouco colisão[23].

Não se trata de colisão, pois nos casos de colisão o direito fundamental de um titular choca-se, como a própria metáfora está a indicar, com o direito fundamental de outro titular (ou, alternativamente, com outros bens constitucionalmente tutelados), o que não é o caso, a toda evidência, quando diversas normas tutelam, em diferentes graus de amplitude, os direitos de um mesmo titular.

Por outro lado, para se caracterizar conflito de normas, como visto, é preciso haver inconciliabilidade ou divergência entre os comandos. Em caso de normas de direitos fundamentais e normas de direitos humanos que tutelam a vida e a dignidade humanas, em regra o que se verifica, contrariamente, é conciliabilidade e convergência[24], consentaneidade teleológica e axiológica. Os diversos dispositivos, de direito interno ou internacional, tutelam o direito à vida em suas diversas dimensões, o direito à liberdade, a dignidade humana e assim por diante, não são conflitantes ou logicamente incompatíveis. A divergência parcial dá-se na amplitude ou no âmbito de proteção, uma norma sendo, por vezes, mais ampla do que outra.

No caso em mesa, e.g., o que há é concorrência convergente de mais de uma norma instituidora de direitos e protetiva da liberdade pessoal: examinando o HC 87.585-8/TO o que se verifica é uma norma de direito interno (a disposição do art. 5º LXVII que proíbe a prisão civil excetuando dois casos apenas) com uma norma de direito internacional (a disposição do art. 7º, 7, da Convenção Americana, que igualmente proíbe a prisão civil, com apenas uma exceção) [25]. A última é mais ampla do que a primeira, mas não são inconciliáveis, pois, neste caso, a disposição constitucional opera como padrão mínimo, mas não como padrão máximo de proteção[26].

Assim, com a devida vênia das respeitáveis opiniões em contrário, não se tratando de conflito de normas não há que se aplicar critérios de resolução de antinomias.[27]

Distinguindo-se os casos de conflito e de colisão e ambos do caso da concorrência – situação na qual uma pluralidade de normas concorre (e não conflita) em prol da promoção de um mesmo fim, no caso em mesa, a liberdade pessoal – há que se propugnar pela adoção de um critério adequado á tarefa que se coloca diante do intérprete e do aplicador.

Tal critério não é novo, sendo velho conhecido do Direito Internacional dos Direitos Humanos, consistindo no princípio denominado primazia da norma mais favorável às vítimas de violações ou, de forma mais ampla, aos titulares de direitos. Segundo esclarece Antonio Augusto Cançado Trindade:



“No presente domínio de proteção, não mais há pretensão de primazia do direito internacional ou do direito interno, como ocorria na polêmica clássica e superada entre monistas e dualistas. No presente contexto, a primazia é da norma mais favorável às vítimas, que melhor as proteja, seja ela de direito internacional ou de direito interno. É a solução expressamente consagrada em diversos tratados de direitos humanos, da maior relevância por suas implicações práticas.” [28]



Assim, em casos como o havido no HC 87.585-8/TO, propugna-se ser descabida a resolução a partir de critérios engendrados para situações diversas da que se coloca (conflito de normas e colisão de direitos), impondo-se a aplicação do princípio da primazia da norma mais favorável ao titular dos direitos em questão, independentemente de hierarquia preestabelecida.

Assim, como já ocorre em outros ramos do direito caracterizados pela pluralidade de fontes normativas, como o Direito do Trabalho, no âmbito da concorrência de disposições protetivas de direitos humanos ou fundamentais não há que se recorrer a critérios estáticos e apriorísticos, mas de se aplicar, no caso concreto, a norma que de forma mais ampla ou eficaz atenda aos direitos humanos fundamentais.



Conclusão.



Em jeito de síntese, de se concluir com as teses sustentadas no presente estudo, quais sejam:

a) Que não se deve confundir situações distintas como as de conflito de normas, colisão de direitos e concorrência de normas ou direitos;

b) Conflitos de normas e colisões de direitos podem ter solução através dos critérios de resolução de antinomias e da metódica da ponderação, respectivamente, não assim a situação de concorrência;

c) O âmbito de proteção da pessoa é constituído por normas de diversas origens, como normas constitucionais e normas internacionais, o que faz com que concorram diferentes normas em favor dos titulares dos direitos humanos fundamentais, normas estas conciliáveis e teleologicamente congruentes, mesmo que parcialmente;

d) A concorrência de normas no âmbito da proteção da pessoa é reclama solução através da incidência do princípio da primazia da norma mais favorável ao titular do direito, assim entendida aquela que tutele o direito em questão de forma mais ampla ou eficaz, devendo ser identificada por ocasião da decisão do caso concreto qual das normas eventualmente aplicáveis atende tais requisitos, independentemente da posição hierárquica por eles ocupada no sistema.



Referências bibliográficas.

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* Doutorando em Direito pela Universidade Federal do Paraná – UFPR. Mestre em Direito pela UFPR. Coordenador do Curso de Direito das Faculdades Santa Amélia – SECAL (Ponta Grossa – PR).

** Mestre em Ciências Sociais Aplicadas pela Universidade Estadual de Ponta Grossa – UEPG. Professora de Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito e Ciências Sociais Aplicadas das Faculdades Santa Amélia – SECAL (Ponta Grossa – PR).

[1] CRFB/88, art. 5º, LXVII: “não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel.”

[2] CADH/1969: “Artigo 7º Direito à liberdade pessoal (...) 7. Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar.”

[3] PIDCP/1966: “Artigo 11. Ninguém poderá ser preso apenas por não poder cumprir com uma obrigação contratual.”

[4] Previsão com base na qual alguns autores, acertadamente, passaram a propugnar que os instrumentos internacionais de direitos humanos já ratificados teriam sido recepcionados com status hierárquico constitucional. Constitui paradigma para o entendimento a compreensão pacífica da doutrina e jurisprudência no sentido da recepção do Código Tributário Nacional pela nova ordem constitucional instaurada em 1988 com status de Lei Complementar. V. SARLET, I. W. A abertura material do catálogo constitucional dos direitos fundamentais e os tratados internacionais em matéria de direitos humanos. In: SCHÄFER, J. (org.) Temas polêmicos do constitucionalismo contemporâneo. Florianópolis: Conceito, 2007, p. 214. No sentido da recepção automática com hierarquia constitucional, mesmo antes da EC 45, com base no § 2º do art. 5º da CRFB/88, PAGLIARINI, A. C. Constituição e direito internacional: cedências possíveis no Brasil e no mundo globalizado. Rio de Janeiro: Forense, 2004, pp. 207-208. PIOVESAN, F. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 7. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 65.

[5] Exemplificativamente, citam-se a medida cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.480/DF, o HC 73.044/SP e o HC 80.044/SE.

[6] “Após muita reflexão sobre esse tema, e não obstante anteriores julgamentos dessa Corte de que participei como Relator (RTJ 174/463-365 – RTJ 179/493-496), inclino-me a acolher essa orientação, que atribui natureza constitucional às convenções internacionais de direitos humanos, reconhecendo, para efeito de outorga dessa especial qualificação jurídica, tal como observa CELSO LAFER, a existência de três distintas situações concernentes a referidos tratados internacionais: (1) tratados internacionais de direitos humanos celebrados pelo Brasil (ou aos quais o nosso país aderiu), e regularmente incorporados à ordem interna, em momento anterior ao da promulgação da Constituição de 1988 (tais convenções internacionais revestem-se de índole constitucional porque formalmente recebidas nessa condição, pelo § 2º do art. 5º da Constituição); (2) tratados internacionais de direitos humanos que venham a ser celebrados pelo Brasil (ou aos quais o nosso país venha a aderir) em data posterior à da promulgação da EC nº 45/2004 (essas convenções internacionais, para se impregnarem de natureza constitucional, deverão observar o “iter” procedimental estabelecido pelo § 3º do art. 5º da Constituição; e (3) tratados internacionais de direitos humanos celebrados pelo Brasil (ou aos quais nosso país aderiu) entre a promulgação da Constituição de 1988 e a superveniência da EC nº 45/2004 (referidos tratados assumem caráter materialmente constitucional, porque essa qualificada hierarquia jurídica lhes é transmitida por efeito de sua inclusão no bloco de constitucionalidade que é ‘a somatória daquilo que se adiciona à Constituição escrita, em função dos valores e princípios nela consagrados.” Ministro CELSO DE MELLO, voto vista proferido em 12.03.2009 no HC n. 87.585-8/TO, fls. 276-277. Omitiram-se os destaques constantes do original. Acompanharam a tese de Celso de Mello os Ministros Eros Grau e Cezar Peluso (HC 87.585-8/TO, fls. 335-337, fls. 352), Ellen Gracie (fls. 355-356).

[7] Vide HC n. 87.585-8/TO, manifestação do Ministro Gilmar Ferreira Mendes, fls. 305-306, o voto-vista do Ministro Menezes Direito às fls. 329, o voto da Ministra Carmen Lúcia, às fls. 331, o voto do Min. Carlos Britto, às fls. 349.

[8] Voto do Min. Gilmar Ferreira Mendes no HC 87.585-8/TO, fls. 362.

[9] Nesse sentido, tomamos a liberdade de remeter o leitor a obra do co-autor deste artigo: SGARBOSSA, L. F. . Direitos e Garantias Fundamentais Extravagantes: interpretação jusfundamental pro homine. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2008, pp. 29-30. Ver ainda SARLET, I. W. A abertura cit. p. 214.

[10] Faz-se referência, aqui, especificamente, à recepção do Código Tributário Nacional, Lei n. 5.172, de 25.10.1966, como Lei Complementar (CRFB/88, art. 146). Remete-se ao RE 79.212/SP, especialmente ao voto do Ministro Aliomar Baleeiro, às fls. 358-359. Também em sede da ADI 1726/DF entendeu o Supremo pela recepção da Lei n. 4.320/64 com status de Lei Complementar. V. ainda AgReg em AI 235.800/RS, 1ª Turma. O Superior Tribunal de Justiça já decidiu de maneira semelhante em relação ao CTN reiteradas vezes, como, e.g., no REsp 139.787/RS, 2ª Turma, no REsp 129.925/RS, 1ª Seção, e no REsp 83.364/RS, 2ª Turma.

[11] Paulo Ricardo Schier propugna tal entendimento em seu trabalho “Hierarquia constitucional dos tratados internacionais de direitos humanos e EC 45 – tese em favor da incidência do tempus regit actum, publicado nos Anais do XV Congresso do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito – CONPEDI, realizado em Manaus, no ano de 2006. Ver, sobre o tema, PIOVESAN, F. Op. cit. pp. 72 e ss.

[12] Remete-se ao clássico trabalho de Norberto Bobbio sobre a teoria do ordenamento, onde trata das antinomias de primeiro e segundo grau, reconhecendo as limitações dos critérios referidos. BOBBIO, N. Teoria do Ordenamento Jurídico. Trad. Maria C. C. Leite dos Santos. 10. ed. Brasília: Editora UnB, 1999, pp. 91 e ss.

[13] BOBBIO, N. Op. cit. p. 86. Bobbio segue adiante com outras especificações mas, para os fins do presente estudo, a definição sucinta é suficiente.

[14] Pois, conforme observa Norberto Bobbio, uma das condições para existir antinomia radica na pertença de ambas as normas a um mesmo ordenamento jurídico, o que se dá com a introdução das normas de direito internacional no ordenamento interno. BOBBIO, N. Idem, p. 87.

[15] Vide MENDES, L. C. O direito interno e o direito internacional. Monismo e dualismo. O caso particular do Direito Internacional dos Direitos Humanos. In: PIOVESAN, F. (coord.). Direitos Humanos. vol. I. Curitiba: Juruá: 2006, pp. 666 e ss.

[16] BOBBIO, N. Op. cit. p. 93.

[17] Ingo Sarlet reconhece tal possibilidade. SARLET, I. W. A eficácia cit. pp. 91-92, nota de rodapé n. 198.

[18] SGARBOSSA, L.F. Op. cit. p. 39.

[19] O que Canotilho denomina colisão autêntica, distinguindo-a da colisão de direitos em sentido impróprio, em que a incompatibilidade se dá entre um direito fundamental e outro bem constitucionalmente protegido. CANOTILHO, J. J. G. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 1270.

[20] Corriqueiramente define-se, a partir da doutrina juspublicista e da prática jurisdiconal alemãs que referido princípio é composto por três subprincípios, o máximas, na terminologia de Robert Alexy, quais sejam, o da utilidade (ou adequação), o da necessidade e o da proporcionalidade em sentido estrito. Pelo primeiro indaga-se se a restrição ao direito fundamental é útil para a promoção de uma finalidade constitucionalmente valiosa. Pela máxima da necessidade, indaga-se se não há outro meio menos gravoso e igualmente eficaz para o atingimento daquela finalidade. Por fim, pelo princípio da proporcionalidade em sentido estrito busca-se verificar qual dos dois direitos em colisão possui, no caso concreto, maior peso, de modo que deva prevalecer in casu sobre o direito oposto. Vide ALEXY, R. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1993, pp. 111 e ss. e CANOTILHO, J. J. G. Idem, p. 269 e ss. Vide tb., SGARBOSSA, L. F. Op. cit. p. 40.

[21] Dentre as quais aquela relativa ao problema da discricionariedade judicial.

[22] Sobre a identidade ou diferença entre direitos humanos e direitos fundamentais remete-se a SARLET, I. W. A eficácia cit. pp. 88 e ss. Toma-se a liberdade, ainda, de remeter à obra “Direitos e Garantias Fundamentais Extravagantes: interpretação jusfundamental pro homine, na qual o co-autor do presente estudo defende a tese da identidade e existência de direitos humanos fundamentais fora do rol constitucional, em instrumentos internacionais e em normas infraconstitucionais (vide referências bibliográficas).

[23] Canotilho reconhece a distinção entre colisão e concorrência, asseverando: “A concorrência de direitos fundamentais existe quando um comportamento do mesmo titular preenche os ‘pressupostos de fato’ (‘Tatbestande’) de vários direitos fundamentais.” CANOTILHO, J. J. G. Op. cit. p. 1268. Negrito e itálicos do original.

[24] SGARBOSSA, L.F., Op. cit. p. 41.

[25] De maneira percuciente o Ministro Menezes Direito observou em seu voto-vista que a disposição constitucional em questão não impõe a prisão civil nas duas hipóteses, contrariamente permite apenas duas exceções, de modo que mesmo o legislador infraconstitucional poderia dispor diferentemente. Vide HC 87.585-8/TO, fls. 315. Em sentido semelhante, vide o voto do Min. Ricardo Lewandowski, às fls. 333.

[26] Nesse sentido, o co-autor do presente artigo já sustentou em outra oportunidade a interpretação do rol constitucional como patamar, padrão ou standard mínimo de proteção. SGARBOSSA, L. F. Op. cit., p. 58. Sustenta-se aqui, em essência, que as exceções estabelecidas pela Constituição poderiam ser restringidas pelos instrumentos internacionais em favor da liberdade pessoal, independentemente de incursões sobre a posição hierárquica ocupada pelas normas em questão.

[27] E, não se caracterizando colisão de direitos não há que se falar em ponderação.

[28] CANÇADO TRINDADE, A. A. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. vol. I. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1997, p. 434.